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Fontes: Livro “Tudo Sobre Amor” www.wikipedia.com; https://outraspalavras.net/
Por Éden António
Bell Hooks é uma mulher impressionante, ela fala do amor e a sua ética sem medo de ser naïf (ingenua), escritora, feminista, negra norte-americana, debate o amor como o sentimento crucial na experiência humana. Propõe libertá-lo das ilusões românticas, praticando-o em desafio às relações alienadas e em busca de intimidade cúmplice e libertadora.
Escrever este prefácio em meio à pandemia de covid-19, vivendo em isolamento social meses, foi um exercício ao mesmo tempo doloroso e libertador. Em certa altura de “Tudo Sobre o Amor“, livro de Bell Hooks diz que, se não pudéssemos fazer mais nada, se por algum motivo a leitura fosse a única atividade possível, isso seria suficiente para fazer a vida valer a pena, porque os livros podem ter uma função terapêutica e transformadora. Particularmente, não tenho dúvidas a respeito disso, pois a leitura sempre teve esse importante papel em minha vida. Alguns textos nos fazem reviver memórias impressas em nosso corpo e espírito e dessa maneira têm o poder de nos transformar e curar.
Numa sociedade que considera falar de amor algo naïf (ingenuidade), a proposta apresentada por Bell Hooks ao escrever sobre o tema é corajosa e desafiadora. E o desafio é colocarmos o Amor no centro da nossa vida.
Ao afirmar que começou a pensar e a escrever sobre o amor quando encontrou “cinismo em lugar de esperança nas vozes de jovens e velhos”, e que o cinismo é a maior barreira que pode existir diante do Amor, porque ele intensifica nossas dúvidas e nos paralisa, Bell Hooks faz a defesa da prática transformadora do Amor, que manda embora o medo e liberta a nossa alma. Ela nos convoca a regressar ao Amor.
Se o desamor é a ordem do dia no mundo contemporâneo, falar de Amor pode ser revolucionário.
Para compreendermos a proposta da autora e a profundidade de suas reflexões, o primeiro passo deve ser abandonar a ideia de que o Amor é apenas um sentimento e passar a entendê-lo como Ética de Vida. É sabido que Bell Hooks evidencia em toda a sua obra que o amor pessoal é um acto político.
Este também será o caminho trilhado por ela neste livro “Tudo Sobre o Amor“, pontuando o quanto as nossas acções pessoais relacionadas ao Amor implicam uma postura perante o mundo e uma forma de inserção na sociedade.
O Amor não tem nada a ver com fraqueza ou irracionalidade, como se costuma pensar, ao contrário, o Amor significa potência: anúncia a possibilidade de rompermos o ciclo de perpetuação de dores e violências para caminharmos rumo a uma “sociedade amorosa”.
“Tudo Sobre o Amor: Novas Perspectivas”, publicado nos Estados Unidos no ano 2000, é o primeiro livro da chamada Trilogia do Amor, seguido de “Salvação: Pessoas Negras e Amor“, de 2001, e “Comunhão: A Busca Feminina Pelo Amor”, de 2002. Bell Hooks é o tipo de pensadora que, quando atraída por um assunto, tende a esmiuçá-lo, observá-lo por todos os ângulos e explorá-lo por completo.
Se ao longo de toda a sua obra o tema do amor aparece, em diversos momentos, como algo que tem um lugar significativo para nossa vida e cultura, é na Trilogia do Amor que a autora nos apresenta suas teses sobre o tema e mais do que isso, nos oferece lições práticas de como agir.
Ao descrever as maneiras pelas quais os homens e as mulheres em geral e as pessoas negras em particular, desenvolvem a sua capacidade de amar dentro de uma cultura patriarcal, racista e fechada, Bell Hooks relaciona a sua teoria do Amor com os principais problemas da sociedade. Apesar de falar a partir da sociedade estadunidense, suas reflexões servem para todos nós, já que também sofremos dos males que a autora tanto procura ver superados: racismo, abuso sexual, homofobia, imperialismo e exploração.
Seguindo os passos de pessoas que ofereceram o Amor como arma poderosa de guerra e de transformação da sociedade, como Nelson Mandela, Mahama Ghandi, Martin Luther King Jr. por exemplo, Bell Hooks reposiciona o Amor como uma força capaz de transformar todas as esferas da vida: a política, a religião, o local de trabalho, o ambiente doméstico e as relações íntimas.
Aprofundando as ideias trazidas por Cornel West referentes às “políticas de conversão” para tratar o niilismo presente na sociedade, Bell Hooks coloca a ética do Amor no centro dessas políticas. E nessa perspectiva, compreende que o pessoal sobrevive por meio da ligação com o coletivo: é o poder de se autoagenciar (self-agency) em meio ao caos e determinar o autoagenciamento coletivo.
Em “Clareza: pôr o amor em palavras”, primeiro capítulo deste livro, Bell Hooks afirma que em nossa sociedade o amor costuma servir para nomear tudo, pulverizando seu significado. Nessa confusão em relação ao que queremos dizer quando usamos a palavra “amor” está a origem da nossa dificuldade de amar. Por isso, saber nomear o que é o Amor é a condição para que ele exista. Se os dicionários tendem a enfatizar a definição dada ao amor romântico, Bell Hooks nos mostra que o Amor é muito mais que uma “afeição profunda por uma pessoa”.
A melhor definição de amor é aquela que nos faz pensar o Amor como ação — conforme diz o psiquiatra M. Scoot Peck, trata-se da “vontade de se empenhar ao máximo para promover o próprio crescimento espiritual ou o de outra pessoa”. Nota-se que o espiritual aqui não está vinculado à religião, mas a uma força vital presente em cada indivíduo.
Nesse sentido, a afeição seria apenas um dos componentes do Amor. Para amar verdadeiramente devemos aprender a misturar vários ingredientes: carinho, afeição, reconhecimento, respeito, compromisso e confiança, assim como honestidade e comunicação aberta. Uma das contribuições fundamentais trazidas por Bell Hooks é nos fazer pensar que são as ações que constroem os sentimentos. Dessa maneira, ao pensar o Amor como ação, nos vemos obrigados a assumir a responsabilidade e o comprometimento com esse aprendizado.
O amor cura. A nossa recuperação está no ato e na arte de amar. A minha passagem bíblica favorita esta em
I João 3:14 -18
Nós sabemos que passámos da morte para a vida porque amamos os irmãos. Aquele que não ama ainda está morto. Todo aquele que tem ódio ao seu irmão é um assassino. E sabem que os assassinos não têm dentro de si a vida eterna. Eis como nós podemos saber o que é o amor: Jesus Cristo deu a sua vida por nós; portanto, também nós devemos dar a nossa vida pelos nossos irmãos. Se alguém possui bens neste mundo e, vendo o irmão em necessidade lhe fechar o seu coração, como permanecerá nele o amor de Deus? Meus filhos, não amemos com palavras e discursos, mas com ações e com verdade.
Muitas mulheres negras sentem que em suas vidas existe pouco ou nenhum amor. Essa é uma de nossas verdades privadas que raramente é discutida em público. Essa realidade é tão dolorosa que as mulheres negras raramente
falam abertamente sobre isso… Leia o livro “Tudo Sobre Amor” e encontre ajuda.
Numa sociedade onde prevalece a supremacia dos brancos, a vida dos negros é premiada por questões políticas que explicam a interiorização do racismo e de um sentimento de inferioridade. Esses sistemas de dominação são mais eficazes quando alteram nossa habilidade de querer e amar. Nós negros temos
sido profundamente feridos, como a gente diz, “feridos até o coração”, e essa ferida emocional que carregamos afeta nossa capacidade de sentir e consequentemente, de amar. Somos um povo ferido.
Feridos naquele lugar que poderia conhecer o amor, que estaria amando. A vontade de amar tem
representado um ato de resistência para os negros. Mas ao fazer essa escolha, muitos de nós descobrimos nossa incapacidade de dar e receber amor
Nossas dificuldades coletivas com a arte e o ato de amar começaram a partir do contexto escravocrata.
Isso não deveria nos surpreender, já que nossos ancestrais testemunharam seus filhos sendo vendidos; seus amantes, companheiros, amigos apanhando sem razão. Pessoas que viveram em extrema pobreza e foram obrigadas a se separar de suas famílias e comunidades, não poderiam ter saído desse contexto entendendo essa coisa que a gente chama de amor.
Elas sabiam, por experiência própria, que na
condição de escravas seria difícil experimentar ou manter uma relação de
amor.
Imagino que, após o término da escravidão, muitos negros estivessem ansiosos para experimentar relações de intimidade, compromisso e paixão, fora dos limites antes estabelecidos. Mas é também possível que muitos estivessem despreparados para praticar a arte de amar. Essa talvez seja a razão pela qual muitos negros estabeleceram relações familiares espelhadas
na brutalidade que conheceram na época da escravidão.
Seguindo o mesmo modelo hierárquico, criaram espaços domésticos onde conflitos de poder levavam os homens a espancarem as mulheres e os adultos a baterem nas crianças como que para provar seu controle e dominação.
Estavam assim se utilizando dos mesmos métodos brutais que os senhores de engenho usaram
contra eles. Sabemos que sua vida não era fácil; que com a abolição da escravatura os negros não ficaram imediatamente livres para amar.
Gostei imenso Da História de Luís Gama